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O Detonautas Roque Clube, forte representante da Geração 90 do Rock Brasil, completa este ano duas décadas de estrada com este sexto disco de estúdio, VI. Uma longa caminhada de muitos sucessos e forte engajamento político e social que lhe valeram 3,6 milhões de seguidores nas redes sociais.

Uma conquista essencial de uma banda que sempre usou a internet como principal meio de divulgação. Tico Santa Cruz explica:

“Somos a primeira banda do mundo formada totalmente pela internet a ter conseguido sucesso comercial. Isso começou quando o Brasil ainda engatinhava na rede. Ter muitos seguidores faz com que consigamos alcançar muitas pessoas sem depender dos meios tradicionais, embora consideremos importante estar nas rádios e nas TVs.”

VI traz 10 faixas de um trabalho elaborado em que a banda se apresenta menos agitada e mais reflexiva. Não há qualquer canção com a veemência de um Combate ou de Quem É Você, do álbum anterior A Saga Continua. Ela segue em frente, claro, é uma vigorosa formação estradeira que corta o país de Norte a Sul, sempre recebida com entusiasmo em casas lotadas.

O momento é outro. O álbum incorre em áreas como a canção infantil “Aqui na Terra” e uma parceria e participação de Leoni em “Dias assim”, reunindo duas gerações do nosso rock. “É um disco mais leve, a capa é uma pluma. Referência a uma leitura mais madura das composições e arranjos em que buscamos experimentar novos ritmos, como o bolero “Você vai lembrar de mim” ou a psicodelia de Hyldon em “Na sombra de uma árvore” com arranjos de cordas e levadas mais tranquilas,” explica Tico.

Ele conta que os parâmetros que norteiam a carreira da banda permanecem de forma mais sutil: “Preferi fazer uma abordagem social e política mais afetiva, menos reativa.”
O Detonautas tem um estúdio próprio, o Mobília Space, onde trabalharam de fevereiro a abril deste ano. O guitarrista Renato Rocha explica o sistema de gravação: “No estúdio trabalhamos sem pressa, desenvolvemos e arranjamos durante a gravação. Fazemos tudo separado, começamos pela bateria, depois baixo, violões, guitarras, teclados, vocais e a voz principal no final.” Os fãs puderam acompanhar tudo pela internet desde o começo das gravações em vários vídeos disponíveis no You Tube, incluindo a íntegra de algumas canções.

Vamos lá. Disco no CD Player (e breve em vinil na pickup) lendo…lendo…e um piano abre “Nossos segredos,” um chamado à paz e ao silêncio, à troca de experiências, à busca de conforto e carinho. O arranjo vai num crescendo com guitarras e cordas que contribuem para o clima envolvente da canção até o desfecho com o verso inicial: “Hoje eu não tô a fim de discutir mais nada.”
Violão e guitarra abrem “Por onde você anda” com uma guitarra que evoca The Edge. Tico canta um chamado a um amor que se foi e a quem gostaria de pedir perdão. A vida não é a mesma sem um grande amor, que deixa lembrança até no cheiro do edredom. Uma levada lenta como pede o tema, solos e a batera precisa de Fábio Brasil e algumas percussões do DJ Cleston.
Caixa e bumbo abrem o bolero “Você vai lembrar de mim,” tema quase extensão da anterior. Ela se foi, mas deixou para trás experiências marcantes. Um ritmo envolvente no clima dos antigos dancings para o cavalheiro pegar sua dama e bailar pelo salão. A banda dá uma leve roupagem pop com o convidado Fabrizio Iorio no acordeon. Uma experiência inusitada para uma banda de rock, lembrei dos Beatles, que cantavam Besame Mucho. Um apaixonado solo de violão de nylon Yamaha fecha a canção.

“Dias assim” é uma parceria de Tico com Leoni e os dois dividem os vocais desta balada que fala dos dias difíceis que todos nós enfrentamos e devemos superar: “Quando os seus medos te acharem no escuro. Trancado no quarto sem ter pra onde ir. Lembrando dos sonhos perdidos e de outras derrotas. Não pense em desistir.” Leoni toca guitarra no refrão e Phil faz o solo final.
Tico Santa Cruz explica “Brother”: “A letra é um chamado ao respeito pelas liberdades individuais, para a atenção com a manipulação da informação, para um olhar mais humanista e democrático do Brasil.” Numa estrofe uma alusão ao poema manifesto “The revolution will not be televised, do ativista americano Gill Scott Heron: “Brother, a televisão não vai te mostrar a revolução. Brother, esquece os jornais, as tradicionais formas de ilusão.”

A levada lenta é muito bonita com Tico ao violão, Renato Rocha numa guitarra Rickenbacker e Phil numa Reverend, sinos sampleados e a base de André “Maccarrão” (baixo) e Fábio Brasil (bateria).
A banda revisitou a bela psicodelia de Hyldon em “Na sombra de uma árvore,” original de 1975. Um arranjo envolvente com a presença de cordas e sopros arranjados por Fabrizio Iorio, um violão dobro Resonator Delta Rocker slide ao fundo, tudo no clima da era hippie de buscar a libertação de amarras, praticar o amor livre e deixar de lado a loucura da cidade. Ideal mesmo para ouvir debaixo da sombra de uma árvore com o canto dos pássaros.

Renato Rocha conta que “Canção do amigo” foi uma ideia dele que a banda curtiu e desenvolveu. Nada a ver com a de Milton Nascimento que se chama Canção da América. Levada em midtempo para uma letra que exalta a amizade, a verdadeira, para toda a vida, mesmo separados pela distância, as lembranças estão intactas. Tico rapeia uma estrofe que fala de dificuldades e sonhos, de altos papos, do primeiro porre, a primeira ressaca e o beijo na primeira namorada. Alto astral.

“Aqui na Terra” faz o link com o começo da banda. Tico conta que é da primeira demo deles, de 1997. Um canção infantil com a participação de um coral formado por filhos de amigos, uma letra que Tico diz ser “ingênua, quase adolescente.” O tema é recorrente na ficção científica em filmes e livros, entre eles o consagrado Blade Runner, em que a maior parte dos habitantes da Terra migraram para outros planetas. “Vinte anos depois ainda tenho a sensação de que o planeta Terra é um lugar hostil e que, se fosse possível construir uma nave espacial e mudar para outro lugar, muitas pessoas embarcariam.”

“Nada vai me derrubar” é de autoria do guitarrista Phil, que faz os solos. Levada funkeada, lembrou-me os bailes de charme, dançante, indicada para as pistas. A letra é otimista, confiança no futuro apesar de eventuais dificuldades, enfrentar o que vem pela frente e deixar rolar.

“Acre song” fecha o álbum, uma canção incompleta de 2012, finalizada para VI. O Acre aí é o estado brasileiro mesmo, pra onde a mulher fugiu, ele foi atrás, mas não encontrou, diz que se perdeu nas pernas das meninas. É a mais rápida do disco, levada nervosa com guitarras pontuando a música, ecos de U2 na intro e no baixo.
Este é VI, a nova etapa de uma banda que parte para os próximos 20 anos ou mais e mais. Sempre fiel ao verso do poeta espanhol Antonio Machado: “Al andar se hace el camino.”